Artigo do
dia 19 de setembro de 2012 publicado no blog: http://lisboa-ochamado.blogspot.com.br/
Entre alguns
exageros aparecem alguns questionamentos e constatações sérias do autor que me
parecem interessantes serem refletidas. Boa leitura e reflexão a todos.
Fracasso do
neoconservadorismo católico brasileiro
José Lisboa
Moreira de Oliveira
Filósofo,
teólogo, escritor e professor universitário
Os dados do último
censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no Brasil. Segundo
as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos. A
questão foi discutida na última assembleia geral da CNBB, em abril deste ano,
em Aparecida (SP). Alguns bispos ficaram horrorizados com a notícia. Outros
tentaram minimizar os dados, achando que se tratava de “intriga da oposição”.
Outros, talvez mais realistas, não se assustaram com os dados do IBGE.
O certo é que não seria
necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta deste fenômeno.
Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito bem que sua
Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas, nos grupos,
nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta situação. É
verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que alguns
padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos religiosos.
Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica ainda é uma
força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da percentagem de
católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o número de
praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos fazer a
conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes não
superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa este
número deve cair para menos de um por cento.
Porém, o mais
interessante nesta história é que a diminuição dos católicos no Brasil coincide
com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um regime
católico neoconservador. Os católicos vão diminuindo no Brasil na medida em que
as comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e
substituídas pelos movimentos neopentecostais católicos. O número de católicos
começa a cair a partir do momento em que são nomeados bispos mais
conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e
qualquer vestígio de Igreja da libertação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em
Recife, por ocasião da substituição de Dom Hélder Câmara.
A diminuição de católicos coincide com a chegada ao
Brasil das redes católicas de televisão e seus programas de apologia ao
conservadorismo. Os católicos diminuem enquanto aumenta o número de padres
cantores, de padres na mídia e de seminaristas midiáticos, todos eles plugados
vinte e quatro horas na internet para “evangelizar” através de meios
moderníssimos e velozes. Os católicos diminuem na medida em que na Igreja
aparecem e se multiplicam comunidades exóticas com seus trajes medievais e seus
costumes estranhos e maniqueístas. A diminuição de católicos não para, apesar
de todo o esforço para massacrar a teologia da libertação, punir teólogas e
teólogos brasileiros, vestir clericalmente os padres, romanizar as liturgias e
tirar do velho baú católico coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma coisa deu errada. No final dos anos 1970,
quando, com o pontificado de João Paulo II, o neoconservadorismo começa a
aparecer, dizia-se que a Igreja da libertação tinha que ser banida porque
colocaria em risco o futuro da Igreja Católica no continente latino-americano.
Acabaram com tudo aquilo que poderia cheirar a libertação, mas, mesmo com a
implantação da neocristandade, o catolicismo murchou. O projeto neoconservador
falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o encolhimento do catolicismo
brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra.
Penso que está na hora da Igreja no Brasil fazer
uma séria reflexão. Suas lideranças precisam ser honestas com elas mesmas,
admitindo que falharam, acelerando, com seus métodos, o decréscimo dos
católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da teologia da libertação,
que a demonizaram e combateram, agora amargam o resultado de suas intervenções.
Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram a crise do catolicismo
brasileiro.
Eu não estou preocupado com o crescimento dos
evangélicos. Embora esteja convencido de que muitas igrejinhas evangélicas não
possuem nenhuma ossatura de seriedade, penso que Deus tem os seus caminhos.
Inclusive ele pode tirar o seu Reino de uma igreja, que se pretende dona dele,
para entregá-lo a outra. E se ele entender que o entregará a algum seguimento
evangélico, não há quem possa impedi-lo.
O que desejo destacar nesta breve reflexão é o
falimento de um modelo de Igreja que foi implantado em nosso país nos últimos
anos. Perdeu-se a oportunidade de dar vida a um jeito de ser Igreja, bem mais
próximo do Evangelho e da realidade do povo brasileiro. Disso não se pode fugir
sem trair a verdade. É preciso que as lideranças admitam isso, se quiserem
reverter um pouco a situação atual. Se insistirem em manter o atual sistema
eclesiástico, nosso destino será ainda pior do que aquele da velha Europa: uma
Igreja infantil, feminil e senil, empoeirada, sem juventude, sem perspectivas,
sem vida.
Não faltaram os “sinais dos tempos”, mas boa parte
dos dirigentes da Igreja Católica preferiu “não interpretar o tempo presente”
(Lc 12,56). Teria sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo
VI na exortação apostólica Evangelii
nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos
Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que
profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e
necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador
neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice
havia indicado.
Paulo VI, partindo da importância do testemunho,
destacava a urgência do indispensável
contato pessoal, “de pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não se dá
através de uma pastoral de massas, da utilização impessoal da mídia, mas
através da multiplicação de redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia
o papa, as pessoas poderiam preencher o desejo e a busca de relações mais
humanas.
O papa afirmava, então, o valor das comunidades
eclesiais de base, as quais, de modo particular nas grandes metrópoles,
poderiam contribuir eficazmente para a superação da massificação e do anonimato
(nº 58). Mas o que fez a maioria das lideranças católicas? Preferiu a pastoral
das massas, dos rebanhões, dos espetáculos, nos quais, como tem mostrado a
sociologia da religião, prevalece o anonimato e a indiferença. As pessoas
pulam, gritam, dançam, mas sem preocupação com “o outro”. Pensam apenas nos
seus problemas e na satisfação imediata de suas necessidades e carências. A
pastoral de massa não humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem
alimenta a solidariedade.
As lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir
as comunidades eclesiais de base ou as relegaram a um plano secundário, de modo
que se pode afirmar que a existência delas no momento atual é fruto do grande
milagre da resistência de algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos
seguiam o caminho inverso, abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais
as pessoas se encontram não só para rezar ou cantarolar, mas também para
reforçar laços de amizade e de apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo
modo, “vínculo da ágape”, mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve também o desmantelo de outros elementos,
apontados por Paulo VI como essenciais para a nova evangelização. Pense-se, por
exemplo, no retrocesso que se deu no campo do ecumenismo, do diálogo
interreligioso, do diálogo com os não crentes e com os não praticantes. Mas se
pense igualmente nos retrocessos internos que levaram as pessoas pensantes e
mais conscientes a abandonarem definitivamente a Igreja Católica. Parece-me,
pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil colocar-se diante das várias
perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E, como queria Paulo VI, “dar
respostas leais, humildes e corajosas, agindo de consequência” (nº 5).
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