15 de fevereiro de 2014

Papa Francisco nos pede: Coerência já!

Coerência já!
Cidade do Vaticano (RV) – Coerência entre nossa vida e aquilo que professamos.

Esta semana, o Papa Francisco fez duas claras referências para a necessidade de viver dia após dia aquilo que celebramos na Eucaristia.
Na Audiência Geral, o Pontífice aprofundou o aspecto da nossa relação com este Sacramento, questionando por exemplo se vamos à missa simplesmente por se tratar de um rito ou se esta participação realmente nos envolve e nos transforma. Para analisar esta relação, sugeriu como indício justamente o nosso modo de olhar e considerar os outros. Quando participamos da missa, nos encontramos com homens e mulheres de todo gênero: jovens, idosos, crianças, pobres e abastados, originários do lugar ou estrangeiros, sós ou acompanhados.... Celebrando a Eucaristia, devemos então nos perguntar se sentimos todas essas pessoas como irmãos e irmãs, se somos capazes de reconhecer nelas a face de Jesus.
Somos irmãos somente durante a missa? E fora dela, como tratamos o outro? Amamos nossos irmãos como Jesus os amou e como Ele nos pede?, perguntou Francisco, que citou a realidade mais próxima a ele, a cidade de Roma. A capital italiana e suas redondezas viveram dias ininterruptos de chuva. Muitos bairros ficaram alagados, e os prejuízos foram grandes.
O Papa insistiu: eu que vou à missa, me preocupo em ajudar? Em rezar por essas pessoas? Ou na saída da missa me preocupo em fofocar, comentando como a pessoa ao meu lado estava vestida...
Este modo de comunicar de Francisco é muito eficaz, pois fala de uma realidade que diz respeito diretamente ao seu interlocutor. Por exemplo, poderíamos fazer a mesma pergunta mudando de contexto. Na nossa realidade brasileira, um dos desafios mais latentes hoje é a violência. Seguindo o Papa, poderíamos questionar: como eu pretendo que o problema seja resolvido, criando duas sociedades, a dos homens de bem e a dos homens do mal? A dos virtuosos e a dos imprestáveis? Construindo muros cada vez mais altos, condomínios cada vez mais seguros, carros cada vez mais blindados?
O resultado desse tipo de mentalidade maniqueísta é o que o Papa chama de “cultura do descartável”, ou seja, os excluídos do sistema. E diante de um Estado omisso e de uma Justiça ineficiente, há a tentação de fazer justiça com as próprias mãos. E “o marginalzinho preso ao poste” passa a ser uma solução no país mais católico do mundo.
Outra expressão muito utilizada por Francisco é a “globalização da indiferença”. Isto é, o sofrimento do outro não me diz respeito, é perder a capacidade daquilo que desenvolveu Hannah Arendt em meio à experiência do totalitarismo. Vivemos o totalitarismo do eu e perdemos a capacidade de empatia, de entrar na dor do outro.
Talvez chegou a hora de uma análise um pouco mais aprofundada do país que somos e do país que queremos para poder resgatar os valores sobre os quais se deveria fundar uma nação que seja capaz de incluir, e não excluir. E neste processo, nós cristãos somos chamados em causa.
Em seu quase um ano de pontificado, Francisco cunhou inúmeras expressões que dão bem o sentido dos fiéis “de mentirinha”: cristãos de confeitaria, de tinturaria, de salão, cristãos que participam da missa como evento social.
São os mesmos cristãos que defendem a lógica de que “bandido bom é bandido morto”, e de que os verdadeiros criminosos são os defensores dos Direitos Humanos.
É fácil gostar do Papa e do seu sorriso, admirar seu jeito e suas atitudes, um pouco mais empenhativo, porém, é ouvir o que ele tem a dizer, que nada mais é aquilo que Jesus pregou. A coerência entre liturgia e vida é exigente, e requer perseverança, oração e graça. Requer também coragem, de ir avante, sempre. Caminhar mesmo em meio a dificuldades como esta, e superá-las.

12 de fevereiro de 2014

Reflexões no contexto do 15º Encontro Nacional de Presbíteros

O Bispo e os Padres
 
Rio de Janeiro (RV) - Estamos vivendo o 23º Curso para os Bispos aqui no Rio de Janeiro. Um dos temas é sobre o Bispo e os Presbíteros. Os temas fazem parte das comemorações dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Este Curso de Atualização Teológica para os Senhores Bispos, na Casa de Retiros do Sumaré, foi iniciado por D. Eugênio Araujo Sales há 24 anos. Como fruto da reflexão destes dias e mesmo em preparação a eles, aproveito o ensejo para uma meditação “pública” do assunto, revendo alguns documentos do magistério. Creio que esse relacionamento deve ser pautado pela mútua confiança e renovado empenho de anunciar o Evangelho neste momento histórico e em todos os seguimentos da sociedade.
O Bispo Diocesano preside o Presbitério. O presbitério deve estar unido ao seu Bispo e não deve agir sem a presidência do seu pastor próprio. Por isso, "os presbíteros diocesanos são, de fato, os principais e insubstituíveis colaboradores da ordem episcopal, investidos do único e idêntico sacerdócio ministerial de que o Bispo possui a plenitude. O Bispo associa-os à sua solicitude e responsabilidade, de forma que cultivem sempre o sentido da Diocese, fomentando ao mesmo tempo o sentido universal da Igreja" (cf. AS 75 – Documento da Congregação para os Bispos – “Apostolorum Successores – Diretório para o ministério Pastoral dos Bispos)).
O Bispo, pai da família presbiteral, por meio do qual o Senhor Jesus Cristo, Supremo Pontífice, está presente no meio dos batizados, sabe que é seu dever dirigir o seu amor e a sua solicitude particular para os sacerdotes e os candidatos ao sagrado ministério. O Bispo deve ajudar os seus sacerdotes, a quem deve ter apreço, ouvir as suas dificuldades e velar para que o seu presbítero exerça o seu ministério.
"As relações entre o Bispo e o presbitério devem inspirar-se e alimentar-se da caridade e de uma visão de fé, de modo que os próprios vínculos jurídicos, que derivam da constituição divina da Igreja, surjam como a consequência natural da comunhão espiritual de cada qual com Deus (cf. Jo13, 35). Desta forma, será, também, mais frutuoso o trabalho apostólico dos sacerdotes, uma vez que a união de vontades e de intenções com o Bispo aprofunda a união com Cristo, o qual continua o seu ministério de chefe invisível da Igreja por meio da Hierarquia visível" (cf. AS 76).
O Bispo Diocesano deve conhecer os seus sacerdotes pessoalmente, sua história de vida, a sua família. Por isso, o Bispo, ao confiar um ofício eclesiástico ao seu sacerdote, deverá levar em consideração entre outras coisas: "no caráter e nas atitudes e aspirações, o seu nível de vida espiritual, o zelo e os ideais, o estado de saúde e as condições econômicas, as suas famílias e tudo o que lhes diga respeito" (cf. AS 76).
O Bispo Diocesano, antes de tudo, é o pai do seu padre. Deve lhe dar respeito, carinho, ouvir pacientemente e considerar a trajetória do próprio sacerdote, colocando-o em um trabalho pastoral, administrativo, curial, jurídico, formativo, educacional, levando em conta sempre as suas aptidões.
Nestes tempos turbulentos em que os sacerdotes passam por grande fadiga ou mesmo por dificuldades, o Bispo Diocesano seja o primeiro a promover e defender o ministério de seus padres, incentivando o sacerdote a viver o seu sacerdócio: "O Bispo nutra e manifeste publicamente a sua estima pelos presbíteros, dando mostras de confiança e louvando-os se o merecerem; respeite e faça respeitar os seus direitos e defenda-os de críticas infundadas; resolva prontamente as controvérsias para evitar que as inquietações prolongadas possam ofuscar a caridade fraterna e lesar o ministério pastoral" (cf. AS 77).
A atividade presbiteral visa o bem das almas, as necessidades da Igreja Particular e a dignidade humana e sacerdotal, por isso "ao conferir encargos, o Bispo julgará com equidade a capacidade de cada um e não sobrecarregará ninguém com tarefas que, pelo seu número ou importância, possam ultrapassar as possibilidades individuais e até lesar a sua vida interior" (cf. AS 78).
"É, pois, oportuno que o Bispo favoreça, quanto for possível, a vida em comum dos presbíteros, que corresponde à forma colegial do ministério sacramental e retoma a tradição da vida apostólica para uma maior fecundidade do ministério. Os ministros sentir-se-ão apoiados no seu compromisso sacerdotal e no generoso exercício do ministério. Este aspecto tem uma especial aplicação no caso dos que estão empenhados numa mesma atividade pastoral" (cf. AS 79).
Uma das preocupações do Bispo Diocesano deve ser as necessidades humanas dos presbíteros: "Aos presbíteros não deve faltar o que seja condizente com um nível de vida decoroso e digno, devendo os fiéis da Diocese estar cientes de que lhes cabe o dever de apoiar tal necessidade" (cf. AS 80).
Em tempos de secularismo, é muito importante que o Bispo tenha consciência de que:
"a) É necessário evitar a solidão e o isolamento dos sacerdotes, sobretudo se forem jovens e exercerem o ministério em localidades pequenas e pouco povoadas. Para resolver as eventuais dificuldades, convirá procurar a ajuda de um sacerdote zeloso e entendido, bem como favorecer frequentes contatos com os outros irmãos no sacerdócio, inclusive através de possíveis modalidades de vida em comum.
b) Importa dar atenção ao perigo do hábito e do cansaço que os anos de trabalho ou as dificuldades inerentes ao ministério possam causar. Consoante as possibilidades da Diocese, o Bispo estudará, caso a caso, a forma de recuperação espiritual, intelectual e física, que ajude a retomar o ministério com renovada energia.
c) Empenhe-se o Bispo com paternal afeto em relação aos sacerdotes que por cansaço ou por doença se encontram numa situação de fraqueza ou fadiga moral, destinando-os a atividades que sejam mais convidativas e fáceis no seu estado, agindo de forma a evitar o isolamento em que possam encontrar-se e, enfim, acompanhando-os com compreensão e paciência para que se sintam humanamente úteis e descubram a eficácia sobrenatural – pela união com a Cruz de Nosso Senhor – da sua condição presente”. (Cf. AS 81).
Cabe ao Bispo velar para que o sacerdote viva o seu celibato como oblação total a Deus e à Igreja. O Bispo não se descuide da formação permanente do seu presbitério.
Na missa de segunda-feira, dia 27 de janeiro deste ano, o Papa Francisco, na sua homilia, na Capela Santa Marta, recordou: “Os bispos não são eleitos apenas para levar avante uma organização que se chama Igreja particular; são ungidos, eles têm a unção e o Espírito do Senhor está com eles. Mas todos os bispos, todos nós somos pecadores, todos! Mas somos ungidos. Mas todos nós queremos ser mais santos a cada dia, mais fiéis a esta unção. E o que faz a Igreja realmente, e o que dá unidade à Igreja é a pessoa do bispo, em nome de Jesus Cristo, porque ele é ungido, não porque ele foi eleito pela maioria. Porque é ungido. É nesta unção que uma Igreja Particular tem a sua força. E por participação também os sacerdotes são ungidos”.
A unção – continuou o Papa – aproxima os bispos e os sacerdotes ao Senhor, e dá a eles a alegria e a força “para levar para frente um povo, a viver ao serviço de um povo”. Doa a alegria de sentirem-se “escolhidos pelo Senhor, seguidos pelo Senhor, como aquele amor com que o Senhor olha para nós, para todos nós”. Assim, “quando pensamos nos bispos e sacerdotes, devemos pensá-los assim: ungidos”. “Ao contrário, não se entende a Igreja, mas não só não a entendemos como não se consegue explicar como a Igreja vai avante somente com as forças humanas. Esta diocese vai avante porque tem um povo santo, tantas coisas, e também um ungido que a conduz, que a ajuda a crescer. Esta paróquia vai para frente porque há muitas organizações, tantas coisas, mas também tem um sacerdote, um ungido que a leva para frente.
E nós na história conhecemos uma mínima parte: quantos bispos santos, quantos sacerdotes, quantos padres santos que deixaram as suas vidas e dedicaram-se ao serviço da diocese, da paróquia; quantas pessoas receberam a força da fé, a força do amor, a esperança desses párocos anônimos, que nós não conhecemos. Existem muitos deles”. São tantos – disse o Papa Francisco –, “os párocos do interior ou da cidade, que com a sua unção deram força ao povo, transmitiram a doutrina, deram os sacramentos, isto é, a santidade”: “Mas, padre, eu li em um jornal que um bispo fez tal coisa, ou que um padre fez tal coisa. Oh sim, também eu li, mas, me diga, os jornais dão também notícias daquilo que fazem tantos sacerdotes, tantos padres em muitas paróquias da cidade ou do interior, que fazem tanta caridade, tanto trabalho para levar avante o seu povo? Isso, não! Isso não é notícia. É sempre assim: faz mais barulho uma árvore que cai, do que uma floresta que cresce. Hoje, pensando na unção de Davi, nos faz bem pensar em nossos bispos e nos nossos sacerdotes corajosos, santos, bons, fiéis, e rezar por eles. Graças a eles hoje nós estamos aqui”.
O Bispo Diocesano não governa a sua Diocese sozinho. Ele o faz em comunhão com o seu presbitério. No diálogo das várias instâncias diocesanas, desde o Colégio Episcopal, com os seus Bispos Auxiliares, o Colégio dos Consultores e o Conselho Presbiteral, o Bispo vai amadurecendo o seu modo de agir como aquele que, em nome de Cristo Cabeça, guia a Igreja Particular como autêntica esposa de Cristo. O Bispo é o que mais deve ouvir. É o primeiro a ser o ponto de "convergência", de superação de conflitos.
Além de colaboradores da ordem episcopal, os presbíteros são o rosto da Igreja, aqueles ungidos que, indo ao encontro da "Ecclesia", vivem o anúncio universal do Reino de Deus: "Conversão pastoral" e testemunho de Cristo.

† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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