Cidade do Vaticano (RV) – Coerência entre nossa vida e aquilo que professamos.
Esta semana, o Papa Francisco fez duas claras referências
para a necessidade de viver dia após dia aquilo que celebramos na Eucaristia.
Na Audiência Geral, o Pontífice aprofundou o aspecto da
nossa relação com este Sacramento, questionando por exemplo se vamos à missa
simplesmente por se tratar de um rito ou se esta participação realmente nos
envolve e nos transforma. Para analisar esta relação, sugeriu como indício
justamente o nosso modo de olhar e considerar os outros. Quando participamos da
missa, nos encontramos com homens e mulheres de todo gênero: jovens, idosos,
crianças, pobres e abastados, originários do lugar ou estrangeiros, sós ou
acompanhados.... Celebrando a Eucaristia, devemos então nos perguntar se
sentimos todas essas pessoas como irmãos e irmãs, se somos capazes de
reconhecer nelas a face de Jesus.
Somos irmãos somente durante a missa? E fora dela, como
tratamos o outro? Amamos nossos irmãos como Jesus os amou e como Ele nos pede?,
perguntou Francisco, que citou a realidade mais próxima a ele, a cidade de
Roma. A capital italiana e suas redondezas viveram dias ininterruptos de chuva.
Muitos bairros ficaram alagados, e os prejuízos foram grandes.
O Papa insistiu: eu que vou à missa, me preocupo em ajudar?
Em rezar por essas pessoas? Ou na saída da missa me preocupo em fofocar,
comentando como a pessoa ao meu lado estava vestida...
Este modo de comunicar de Francisco é muito eficaz, pois
fala de uma realidade que diz respeito diretamente ao seu interlocutor. Por
exemplo, poderíamos fazer a mesma pergunta mudando de contexto. Na nossa
realidade brasileira, um dos desafios mais latentes hoje é a violência.
Seguindo o Papa, poderíamos questionar: como eu pretendo que o problema seja
resolvido, criando duas sociedades, a dos homens de bem e a dos homens do mal?
A dos virtuosos e a dos imprestáveis? Construindo muros cada vez mais altos,
condomínios cada vez mais seguros, carros cada vez mais blindados?
O resultado desse tipo de mentalidade maniqueísta é o que o
Papa chama de “cultura do descartável”, ou seja, os excluídos do sistema. E
diante de um Estado omisso e de uma Justiça ineficiente, há a tentação de fazer
justiça com as próprias mãos. E “o marginalzinho preso ao poste” passa a ser
uma solução no país mais católico do mundo.
Outra expressão muito utilizada por Francisco é a
“globalização da indiferença”. Isto é, o sofrimento do outro não me diz
respeito, é perder a capacidade daquilo que desenvolveu Hannah Arendt em meio à
experiência do totalitarismo. Vivemos o totalitarismo do eu e perdemos a
capacidade de empatia, de entrar na dor do outro.
Talvez chegou a hora de uma análise um pouco mais
aprofundada do país que somos e do país que queremos para poder resgatar os
valores sobre os quais se deveria fundar uma nação que seja capaz de incluir, e
não excluir. E neste processo, nós cristãos somos chamados em causa.
Em seu quase um ano de pontificado, Francisco cunhou inúmeras
expressões que dão bem o sentido dos fiéis “de mentirinha”: cristãos de
confeitaria, de tinturaria, de salão, cristãos que participam da missa como
evento social.
São os mesmos cristãos que defendem a lógica de que “bandido
bom é bandido morto”, e de que os verdadeiros criminosos são os defensores dos
Direitos Humanos.
É fácil gostar do Papa e do seu sorriso, admirar seu jeito e
suas atitudes, um pouco mais empenhativo, porém, é ouvir o que ele tem a dizer,
que nada mais é aquilo que Jesus pregou. A coerência entre liturgia e vida é
exigente, e requer perseverança, oração e graça. Requer também coragem, de ir
avante, sempre. Caminhar mesmo em meio a dificuldades como esta, e superá-las.
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